Esta página encontra-se em fase de construção. Através dela espero propiciar aos amantes da boa poesia, um espaço cultural agradável. No entanto, preciso de estímulos, por isso convido a tornar-se seguidor do meu Blogg.

quinta-feira, 3 de março de 2011

Torquato Neto

Let´s Play That


A RUA

toda rua tem seu curso
tem seu leito de água clara
por onde passa a memória
lembrando histórias de um tempo
que não acaba

de uma rua de uma rua
eu lembro agora
que o tempo ninguém mais
ninguém mais canta
muito embora de cirandas

(oi de cirandas)
e de meninos correndo
atrás de bandas

atrás de bandas que passavam
como o rio parnaíba
rio manso
passava no fim da rua
e molhava seu lajedos
onde a noite refletia
o brilho manso
o tempo claro da lua

ê são joão ê pacatuba
ê rua do barrocão
ê parnaíba passando
separando a minha rua
das outras, do maranhão

de longe pensando nela
meu coração de menino
bate forte como um sino
que anuncia procissão

ê minha rua meu povo
ê gente que mal nasceu
das dores que morreu cedo
luzia que se perdeu
macapreto zé velhinho
esse menino crescido
que tem o peito ferido
anda vivo, não morreu

ê pacatuba
meu tempo de brincar
já foi-se embora
ê parnaíba
passando pela rua
até agora
agora por aqui estou
com vontade
e eu vou volto pra matar
essa saudade

ê são joão ê pacatuba
ê rua do barrocão.


COGITO

eu sou como eu sou
pronome
pessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do impossível

eu sou eu sou
agora
sem grandes segredos dantes
sem novos segredos dentes
nesta hora

eu sou como eu sou
presente
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim
eu sou como eu sou
vidente
e vivo tranquilamente
todas as horas do fim..



“A exasperada reiteração anafórica no começo de cada estrofe ressoa como eco da curiosa afirmação de um eu (“sou como sou”) irremediavelmente fragmentado (“pedaço de mim”) que não passa de uma partícula gramatical, sem memória para cultuar nem presente para comemorar.A morna indiferença com a qual se assiste a tamanha desarticulação abate-se sobre o eu para negar a própria essência da distinção da natureza humana, ilustrada pela máxima racionalista do “penso, logo existo”. A ausência de dramaticidade, essa tranquila aceitação do fim, que descobre um eu lírico relutante a queixumes ou lamenações, não pro vocação estóoca, mas peã consciência do irremediável (“vidente”) (...)” Teresa Cabañas, op. cit. p. 50-51


Cogito

eu sou como eu sou
pronome
pessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do impossível

eu sou como eu sou
agora
sem grandes segredos dantes
sem novos secretos dentes
nesta hora

eu sou como eu sou
presente
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim

eu sou como sou
vidente
e vivo tranquilamente
todas as horas do fim

(from Os últimos dias de paupéria, 1982)





Cogito

I am as I am
a pronoun
untransferable
from the man I began
at the measure of the impossible

I am as I am
now
without great secrets beneath
without new secret teeth
at this hour

I am as I am
present
unleashed, indecent
like a piece of myself

I am as I am
visionary
and I live peacefully
all the hours of the end


quando eu nasci
um anjo louco muito louco
veio ler a minha mão
não era um anjo barroco
era um anjo muito louco, torto
com asas de avião
eis que esse anjo me disse
apertando a minha mão
com um sorriso entre dentes
vai bicho desafinar
o coro dos contentes
vai bicho desafinar
o coro dos contentes
let´s play that

(musicada por Jards Macalé,
from Os últimos dias de paupéria, 1982)



Let´s Play That

when I was born
a crazy, very crazy angel
came to read my palm
it wasn´t a baroque angel
it was a crazy, crooked angel
with wings like a plane
and behold, this angel told me,
pressing my hand
with a clenched smile:
go on, pal, sing off key
in the happy people´s choir
go on, pal, sing of key
in the happy people´s choir
let´s play that

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